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Como o corte no transporte escolar afeta estudantes da Grande SP

Por Cecilia Garcia (Portal Aprendiz)

No começo de julho, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo anunciou mudanças no acesso ao transporte escolar fretado. O ajuste excluiu do direito a esse tipo de transporte estudantes acima de 12 anos que morem a menos de dois quilômetros de suas escolas.

A medida é para “corrigir irregularidades no transporte escolar”, afirmou Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da pasta em entrevista para Folha de S. Paulo. Os estudantes que perderam o acesso terão direito à passe escolar.

A ação foi recebida com críticas das administrações locais de cidades como Suzano e Guarulhos (SP). Nesta última, aproximadamente 90% dos estudantes beneficiados pelo transporte escolar foram excluídos.

Em paralelo, a deputada Mônica Seixas, da Bancada Ativista, entrou com uma ação popular pedindo a revogação da medida. Segundo a petição disponível online:

“O Governo vem adotando medida não admitida pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o pretexto de redução de custos, uma vez que a exclusão de alunos do programa de ônibus escolares fretados não é justificada por avaliação técnica que comprove que a utilização de passe escolares sem prejuízo ao cumprimento do horário de entrada e saída da escola”. 

Em nota oficial para o Portal Aprendiz, a Secretaria Estadual de Educação informou que “os estudantes que têm direito legal não ficarão sem transporte, seja com passe ou com fretado”:

“Aqueles com mais de 12 anos e que moram em áreas afastadas ou que necessitem de algum apoio especial são atendidos pelo fretamento. Para os estudantes com mais de 12 anos e que moram próximos a pontos de transporte público é disponibilizado passe escolar. Há exceções em que barreiras físicas ou de transporte podem levar à reconsideração dos casos”.

O transporte escolar como direito e determinante no acesso à educação

O transporte escolar é um direito garantido pela Constituição de 1988 e especificado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Cleuza Repulho, especialista em educação, afirma que, mais do que direito, transporte escolar é muitas vezes condicional para permanência na escola: “é um direito e literalmente caminho para meninos e meninas acessarem a escola. Transporte e merenda, no Brasil, são fatores de manutenção e de evitar evasão escolar”.

Em São Paulo, para cumprir a legislação federal, há uma série de resoluções e decretos que sancionam convênios e repasses de recursos para municípios paulistas. Pela lei municipal, a concessão do transporte escolar fretado é destinada para estudantes de zona rural ou local onde haja restrição de mobilidade com barreiras físicas e obstáculos, como matagais ou rodovias.

Para justificar o reajuste e o corte nos números, a Secretaria alega que em cidades como Suzano há gastos sem embasamento legal, e que em Guarulhos a empresa responsável performa sem licitação.

Tendo por 14 anos ficado à frente da Secretaria de Educação de São Bernardo (SP), Cleuza não se opõe aos reajustes de gastos, desde que sejam feitos com ampla consulta popular e considerando cada caso:

“Consigo olhar pela ótica de quem está à frente da Secretaria e tenta otimizar os recursos. Às vezes é preciso reajustá-los para atender mais gente. Mas quando você mexe para cortar ou reorganizar, isso precisa ser combinado com a comunidade, conversado para entender o impacto dessas ações no dia a dia das escolas”.

Segundo apuração da Folha de S. Paulo, há pais já questionando a medida, afirmando que embora seus filhos morem a menos de dois quilômetros das escolas, o caminho para chegar até elas passa por rodovias ou espaços ermos. Essas são condicionais que, por lei, garantem o acesso ao transporte escolar.

Falta clareza na justificativa dos cortes, alega especialista

Uma das falas de Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Secretaria de Educação, é que a distância de dois quilômetros apresenta-se como ideal para ir a pé, e que barreiras denunciadas pela população em Guarulhos eram, na realidade, “imaginárias”, como constatado pelo parecer técnico.

Para Mateus Humberto, pesquisador apē – estudos em mobilidade, a distância de dois quilômetros pode ser bastante abstrata:

“Dá para pensar que a distância de dois quilômetros, que uma criança acima de 12 anos percorre em trinta minutos, é uma distância razoável. Mas aí vem os pormenores: não se fala se essa distância é linear, se ela é um círculo no mapa, se há uma rodovia cortando-a ou uma linha de trem. Também não se discute se existe segurança pública para que essas crianças andem à pé. Não se deixa transparente quais foram os critérios para o corte”.

O passe escolar como substituição também preocupa Mateus: “Está na diretriz do transporte escolar que estudante só irá de ônibus ao invés do fretado se isso não prejudicar seu horário de saída e entrada na escola. Qual a frequência desses ônibus? A criança tem que fazer quantas baldeações? Isso precisa ser considerado”.

Depois da entrada de ação popular pela Bancada Ativista e também a repercussão midiática, a Secretária Estadual de Educação se comprometeu a reverter a situação caso seja comprovado que os estudantes não estão conseguindo estudar.

“Não sou contra revisar, o transporte escolar de fato é um serviço super caro, e se for possível revisar para entender quais alunos podem de fato ir a à pé, isso é bom ”, conclui Mateus. “Mas temos que partir de um critério simples: essa distância de dois quilômetros é transponível? Ela é linear, ela considera obstáculos, a criança tem acesso ao transporte público de qualidade? A decisão tem que ser corretamente técnica, mas também justa.”

Publicado originalmente em https://portal.aprendiz.uol.com.br/2019/07/19/como-corte-no-transporte-escolar-afeta-estudantes/ a 19 de julho de 2019.