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Qual o futuro das trotinetas elétricas nas cidades?

As trotinetas, o patinho feio da mobilidade suave? Lesões, acidentes, mau estacionamento e problemas ambientais…

Entrevista com Filipe Moura. Publicado na Mensagem, em https://amensagem.pt/2022/07/20/trotinetas-mobilidade-seguranca/, a 20.07.2022, por Ana da Cunha.

Em Lisboa, e no mundo, críticas, há muitas. As trotinetas são modernas mas causam problemas, sobretudo pela sua utilização indevida e não são assim tão amigas do ambiente. Qual o seu futuro nas cidades? E quais as regras lá fora? Como será o novo regulamento da CML?

trotinetas
Ilustração de Nuno Saraiva

As trotinetas elétricas partilhadas chegaram a Lisboa em 2018 e foram uma revolução. Tiveram um grande empurrão com a covid-19 e são muitos aqueles que as usam, sobretudo os mais novos.

De 2018 a 2021, as trotinetas de sistemas partilhados realizaram 7,9 milhões de quilómetros, o que corresponde a 3,9 milhões de viagens, segundo o documento Como Pedala Lisboa.

Normalmente são usadas para substituir as deslocações a pé e são “mais interessantes quando conjugadas com transportes públicos nas zonas periféricas”, defende Mário Alves, engenheiro civil especialista em transportes e um dos fundadores da MUBi. Mas, “nos países em que foram introduzidas, as trotinetas levaram a um ambiente caótico”, diz o especialista.

Ilustração de Nuno Saraiva

Lisboa não é exceção. Pelas ruas, será fácil encontrar trotinetas mal-estacionadas. Nas aplicações dos sistemas partilhados, existem zonas de estacionamento obrigatório, noutros casos há zonas de estacionamento livre, mas aí as trotinetas não podem perturbar os outros utentes da via pública. Não é o que acontece: muitas se encontram parqueadas em zonas de estacionamento proibido, tombadas no chão ou a bloquear a passagem dos peões.

Os números mostram isso mesmo: no último ano já foram apreendidas 470 trotinetas pela Polícia Municipal. Aqui a multa é de 15 euros, à qual é ainda aplicada uma taxa de remoção de 41 euros e uma taxa de parqueamento de 17 euros por cada 24 horas.

Ilustração de Nuno Saraiva

As ilegalidades não ficam por aí. As trotinetas são equiparadas às bicicletas em todas as regras e também por Lisboa se avista quem deslize pelos passeios ou quem venha acompanhado, e muitos deles serão menores de idade.

A ocupação (indevida) do espaço e um novo regulamento

Tem havido tentativas de resolução destes problemas. No caso do “caos” do estacionamento, por parte das operadoras. Foi por isso que se desenvolveu um sistema de geofencing que permite detetar em tempo real onde se encontra cada trotineta, impedindo o utilizador de a estacionar em lugar indevido, continuando assim a taxa de utilização a ser cobrada.

Para Mário Alves, os sistemas de geofencing são uma boa solução, mas têm um problema: a acumulação de trotinetas nos passeios das fronteiras do sistema. É por isso que o fundador da MUBi defende que é preciso recorrer a métodos adicionais, como por exemplo pedir fotografias do lugar de estacionamento.

Uma solução que foi adotada por operadoras como Bolt, mas que não é rigorosa. É que, caso a fotografia não corresponda a um local pré-definido, a única consequência para o utilizador é apenas a receção de um aviso.

Entretanto, um novo regulamento municipal para gerir a utilização das trotinetas está na calha: o Regulamento da Mobilidade Partilhada.

Neste momento, a Câmara está a trabalhar com as operadoras para “sistematizar e normalizar a utilização de bicicletas e trotinetas”.

A ideia é recorrer à tecnologia existente para resolver alguns dos problemas: quando as trotinetas estiverem a circular nos passeios ou em sentido proibido, serão automaticamente bloqueadas e só será possível estacioná-las em locais pré-definidos. Caso contrário, a taxa de utilização continuará a ser cobrada.  

O expectável é que o regulamento entre em vigor em janeiro de 2023 para assim se alcançar “uma mobilidade eficiente, confortável e sustentável, de forma a facilitar a vida aos lisboetas e aos que vivem a nossa cidade”, diz a CML.

Como se previnem os acidentes lá fora

O que mais preocupa Filipe Moura, professor de Sistemas de Transportes no departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Instituto Superior Técnico (IST), não é a ocupação do espaço público, que na sua perspetiva tem melhorado. São os acidentes. Tal como avançou o Expresso, são cada vez mais as vítimas de acidentes que chegam aos hospitais com lesões cerebrais ou a precisar de cuidados intensivos.

Recentemente, a Agência Lusa divulgou dados da PSP referentes aos acidentes ocorridos em Portugal com trotinetas nos últimos anos: em 2018, foram 29, em 2019, 169, no ano seguinte, 97. Em 2021, registaram-se 290 acidentes e este ano já foram 88. Não há dados referentes apenas a Lisboa.

O número poderá na verdade ser superior, visto que muitas vezes há acidentes sem colisão com um segundo veículo, e estes não são normalmente comunicados à PSP.

É por isso que, para Mário Alves e Filipe Moura, as soluções têm de ir ainda mais além: têm de passar pela fiscalização e pela punição dos clientes. E há que olhar para os exemplos lá fora.

Em França e na Alemanha já se criou uma categoria específica para estes veículos: “personal light eletric vehicles” (veículos pessoais elétricos leves). O mesmo acontece em Singapura, onde são considerados “personal mobility devices” (dispositivos de mobilidade pessoal). Na Polónia, está a discutir-se a mesma hipótese.

Em Oslo, proibiu-se o aluguer de trotinetas à noite e em Helsínquia aos fins-de-semana depois da meia-noite. Em Espanha e na Dinamarca, o capacete tornou-se obrigatório, uma medida que evitaria as lesões cerebrais que muitas vezes chegam aos hospitais.

A questão da velocidade também tem estado em cima da mesa: em Roma, pensa-se em reduzir de 25 km/h para 20 km/h, proposta que já foi aqui apresentada pela Prevenção Rodoviária Portuguesa. Em Paris, há já zonas de velocidade máxima de 10 km/h. Aí, as trotinetas de algumas companhias abrandam automaticamente.

Riscos da trotineta maiores que benefícios?

Nada disto significa que as trotinetas tenham de ser completamente excluídas: “Tudo aquilo que facilite e que promova a mobilidade das pessoas deve fazer parte do mix de soluções no sistema de mobilidade”, diz Filipe Moura.

Mas há que medir o risco, e ponderar outras formas de mobilidade como meios ativos. “A bicicleta é menos perigosa e traz vantagens à saúde”, diz Mário Alves.

Ilustração de Nuno Saraiva

As vantagens da bicicleta não são só para a saúde física de cada um, mas também para o ambiente nas cidades. Há pouco tempo, um estudo desenvolvido pelo Instituto Superior Técnico para a CML chegou a uma conclusão interessante: o benefício em termos ambientais das trotinetas elétricas não compensa o risco.

É que não são assim tão sustentáveis. Espantados? Na tese de mestrado Avaliação de impactes ambientais de trotinete elétrica através da análise do ciclo de vida, Ana Filipa Reis explica: como o ciclo de vida de uma trotineta é curto (cerca de dois meses), o processo de construção e o sistema ineficiente de recolha das trotinetas (através de carrinhas) leva a que o seu impacto em termos de carbono seja quase equivalente ao de um carro elétrico.

As operadoras têm procurado recorrer a designs mais sustentáveis para colmatar essa questão, mas não é suficiente, diz Filipe Moura. É preciso repensar o sistema de recolha e de redistribuição das trotinetas elétricas, que nem sempre é transparente – e sem docas significa que se vão continuar a espalhar por todo o lado, tendo que ser recolhidas.

“O que é feito aos materiais no final de vida?”, questiona o investigador. E uma outra variável entra para a equação: se são tão perigosas (e nem são ambientalmente assim tão sustentáveis) por que é que as pessoas continuam a usá-las? Por serem práticas e acessíveis? Afinal, “qual o valor da acessibilidade?”.

As respostas têm levantado muitas das polémicas recentes.