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Avenidas ganham ciclovias mas oposição critica falta de debate

Estudo de Rosa Félix, Paulo Cambra e Filipe Moura referenciado em notícia do Público sobre as próximas ciclovias de Lisboa.

Artigo de João Pedro Pincha, publicado a 1 de Julho 2020 em www.publico.pt/2020/07/01/local/noticia/avenidas-lisboa-ganham-ciclovias-instantaneas-veja-onde-1922508

Público. Fonte: CML

A Almirante Reis foi a primeira grande avenida de Lisboa a receber uma das novas ciclovias instantâneas prometidas pela câmara, mas já esta semana começam os trabalhos noutros importantes eixos da cidade. As avenidas Cidade de Luanda, Paulo VI, 24 de Julho, da Liberdade e da Índia são as senhoras que se seguem, bem como a Alameda dos Oceanos.

O plano da autarquia foi anunciado há um mês e em poucos dias foi posto em marcha. A câmara quer criar 16 novas ciclovias até Setembro e em várias vai utilizar o mesmo método que aplicou na Almirante Reis: linhas brancas pintadas no chão, pilaretes de plástico e uma via de trânsito automóvel suprimida.

É o que acontecerá, por exemplo, na Av. da Índia, na Av. de Berna, na Av. de Roma, na Av. de Ceuta, na Av. Lusíada, na Rua Conde de Almoster e na Av. das Descobertas. Destas, exceptuando a Av. da Índia, cuja concretização está marcada para os próximos dias, as restantes estão calendarizadas para Agosto e Setembro. O mesmo acontece com a continuação da ciclovia da Almirante Reis entre Praça do Chile e o Areeiro, a intervenção nas ruas da Baixa, na Praça da Figueira e no Martim Moniz, assim como a ciclovia da Praça de Espanha.

Ainda em Julho contam-se intervenções na Av. da Liberdade, na Av. do Uruguai, na Rua Fernando da Fonseca e nas ruas Pardal Monteiro, Ferreira Dias e Emídio Navarro.

“Uma diferença enorme”

A nova ciclovia da Almirante Reis deu origem a um intenso debate nas redes sociais, onde se têm multiplicado os vídeos e testemunhos de quem a utiliza com bicicleta e de quem a percorre de carro. Para os primeiros, esta era uma infra-estrutura necessária há muito tempo, enquanto os segundos a criticam por eliminar uma via de escoamento automóvel muito procurada.

“Como é evidente, uma intervenção destas e no local em que é tem de vir acompanhada por estudos que a sustentem. Não podemos andar em experimentalismos que mexem com a vida das pessoas”, critica o vereador João Gonçalves Pereira, do CDS. O eleito lembra que a ciclovia da Almirante Reis estava prevista para a Zona de Emissões Reduzidas (ZER) da Baixa e Chiado – e que esse plano “nunca foi a reunião de câmara”. Por isso, acusa o executivo socialista de ter demonstrado “enorme desrespeito pelo órgão camarário”.

“O plano ZER tornou-se um plano zero, que significa zero informação”, ironiza o centrista, sublinhando que “ciclovias na cidade é uma coisa positiva, mas com bom senso”.

João Pedro Costa, vereador do PSD, tem semelhante opinião. “Não tivemos acesso a nenhum documento. Nem nós, nem as assembleias de freguesia, nem os comerciantes, nem os moradores. Um dia apareceu-lhes uma coisa na rua”, critica. “O problema não são as políticas, é a forma como se fazem”, diz Costa, lamentando aquilo a que chama “política do facto consumado” e criticando o executivo socialista pela “incapacidade de falar com as pessoas”.

“São projectos interessantes, mas as pessoas ficam de pé atrás porque há prepotência e incapacidade de ouvir”, acrescenta o vereador social-democrata, listando um conjunto de questões a que gostaria de ter resposta. “Vem um carro, dá um toque no da frente. E agora? Pára tudo por aí abaixo? A avenida pode ficar só com uma via, mas tem de ser ininterrupta. O táxi tem de ter lugares kiss and drive, os autocarros e eléctricos têm de parar na lateral.”

Rosa Félix, que se desloca em Lisboa de bicicleta e investiga a mobilidade ciclável no Instituto Superior Técnico, diz que “o que se deve fazer agora é garantir mais lugares de cargas e descargas e fiscalizar os existentes” para que o trânsito não deixe de fluir. A ciclovia na Almirante Reis, afirma, “já era reclamada há anos e anos pelos ciclistas” e representa “uma diferença enorme a nível de conforto e segurança”.

Ainda assim, encontra-lhe algumas falhas que espera que sejam corrigidas. É o caso das intersecções, em que o local para os ciclistas virarem ou aguardarem a abertura dos semáforos não está claramente indicado. Por outro lado, indica, “a ciclovia é um bocadinho mais estreita do que o normal”, embora considere que “qualquer pessoa que passe lá de bicicleta não tem problema nenhum”.

Num artigo que publicou este mês na revista Case Studies on Transport Policy em conjunto com outros dois investigadores do Técnico (Paulo Cambra e Filipe Moura), Rosa Félix escreve que o número de ciclistas na Almirante Reis aumentou entre 2016 e 2018, mas muito menos do que se verificou na Av. da República ou no Campo Grande, onde existia já uma ciclovia e estações da rede de bicicletas partilhadas Gira. Estas duas medidas combinadas, argumentam os autores, podem funcionar como um “ponto de viragem para que a cidade progrida para maiores níveis de maturidade ciclável”.

O vereador João Ferreira, do PCP, concorda que há uma “necessidade de ir além” e de resolver as “muitas pontas soltas” criadas nos últimos anos, sobretudo nas ligações entre diferentes ciclovias e na sinalização. E até nem encara mal que se criem estas ciclovias instantâneas, ou pop-up, que são de rápida concretização e requerem pouco investimento. “O que para nós é óbvio é que a câmara não se pode atirar para um experimentalismo puro e duro. Quero crer que a câmara fez um estudo de tráfego naquela via e nas adjacentes antes de tomar esta decisão”, afirma.

“Há que ouvir as pessoas, quer os utilizadores da ciclovia quer as populações da zona. A câmara deve ouvir, deve estudar e depois implementar consoante o que ouviu e o que estudou”, resume o eleito comunista.

O próximo passo da câmara, diz Rosa Félix, deve ser “apostar em grandes eixos com ciclovia segura e de fácil utilização”, mas há ainda um problema, no seu entender, a que não se tem dado atenção: “Onde se deixa a bicicleta? A câmara e as juntas têm de apostar em fornecer sítios seguros.”