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Lotação dos autocarros a dois terços só permite 80 cm de distância entre passageiros

Entrevista a Filipe Moura e José Manuel Viegas sobre medidas a aplicar nos sistemas de transportes em era COVID-19.

Distanciamento é menos de metade do recomendado. Especialistas defendem incentivo a trabalho rotativo ou teletrabalho para evitar aumento de trânsito e sugerem passe diário ou semanal. Berlim, Milão e Paris estão a incentivar uso de bicicleta, criando ciclovias temporárias.

Um autocarro comum tem 85 lugares e com a lotação limitada a dois terços transporta 56 passageiros, o que permite um distanciamento social de 80 centímetros, que é menos de metade do recomendado como distância de segurança entre pessoas num mesmo espaço. Desde o início do estado de emergência os transportes circularam com a lotação a um terço, o que ainda assim só permitia 1,10m de distância. Para cumprir os dois metros recomendados cada autocarro teria de andar quase vazio, com apenas oito passageiros.

“É preciso que a utilização de máscaras seja obrigatória, para complementar o distanciamento possível nos transportes”, defende Filipe Moura, especialista em mobilidade, professor no Instituto Superior Técnico (IST) e autor dos cálculos do distanciamento possível para diferentes níveis de ocupação de um autocarro da Carris. Com 80% da sua lotação (68 pessoas), o espaço entre passageiros ronda os 70 centímetros. Se o autocarro for cheio, com os 50 lugares sentados e 35 em pé todos ocupados, o distancia­mento entre as pessoas não vai além dos 60 centímetros.

O uso obrigatório de máscara nos transportes públicos a partir da próxima semana foi assegurado pelo primeiro-ministro em entrevista ao Expresso há duas semanas e vai ao encontro do apelo feito por especialistas em saúde pública e pelas empresas de transporte rodoviário de passageiros.

Além do uso obrigatório de máscara, Filipe Moura sugere ampliar o espaço dos transportes, retirando assentos nos autocarros e no metro, tal como aconteceu nos comboios que fazem a travessia da Ponte 25 de Abril como resposta à maior procura de passageiros depois da entrada em vigor dos novos passes, em abril de 2019. “Para dar resposta à necessidade de distanciamento e ao possível aumento da procura nas próximas semanas poderão ser feitas marcas no chão dos veículos para delimitar a área de segurança individual, aumentar a frequência dos autocarros ou evitar que as pessoas procurem os transportes todas ao mesmo tempo, desdobrando horários ou através da promoção intensiva do teletrabalho”, aponta o especialista. Criar mais faixas bus na cidade, para garantir uma circulação mais rápida e frequente de autocarros, de forma a dar resposta à redução da lotação de cada veículo, é outra possibilidade.

O receio da falta de distanciamento social ou da incapacidade de os transportes darem resposta à procura pode levar muitas pessoas a recorrerem ao carro, alerta Filipe Moura. “Acredito que só mesmo os que não tenham alternativa andem de transportes públicos. E isso pode gerar um boom de tráfego na cidade à medida que as medidas de restrição forem aliviadas”, defende o investigador. Contudo, José Manuel Viegas, professor catedrático do IST e antigo secretário-geral do Fórum Internacional dos Transportes, lembra que o problema do distanciamento não se coloca a todas as horas do dia. “Há um número significativo de viagens fora das horas de ponta e acredito que essas pessoas continuem a usar os transportes públicos.”

Uma forma de incentivar o uso dos transportes é passar a permitir que o passe possa ser comprado por um período de dias à escolha ou por uma semana. Uma vez que o teletrabalho deverá continuar a ser uma prática nos próximos tempos, deixa de fazer sentido obrigar a comprar passe para um mês. “Propus essa solução em 2005 e ainda faz mais sentido agora, com o trabalho por turnos semanais, porque as pessoas não vão precisar de passe para todos os dias”, explica o professor catedrático do IST. “Em Lisboa, o sistema tecnológico até já o permite.”

Ciclovias pop-up

Perante o mesmo problema, cidades como Berlim, Milão e Paris estão a aproveitar para incentivar o uso de bicicleta, introduzindo pistas cicláveis, em alguns casos num modelo pop-up, montadas de um dia para o outro em espaços agora livres de automóveis. Paris admite que a redução da lotação dos transportes obrigue quatro milhões de pessoas a procurarem alternativas para se deslocarem.

“A bicicleta é o modo de transporte mais compatível com o distanciamento social. A Área Metropolitana de Lisboa poderia introduzir um programa massivo de aquisição de bicicletas elétricas partilháveis e pistas cicláveis.
Se for feito rapidamente, permitiria trazer algumas pessoas para este modo de transporte em alguns meses e esse espaço teria sido subtraído ao automóvel. Outras cidades europeias estão a aproveitar a oportunidade”, alerta José Manuel Viegas.

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Texto de Raquel Albuquerque e Sofia Miguel Rosa

Publicado em https://expresso.pt/sociedade/2020-05-01-Covid-19.-Lotacao-dos-autocarros-a-dois-tercos-so-permite-80-cm-de-distancia-entre-passageiros a 1 Maio 2020