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Covid-19. Já há mais bicicletas a circular em Lisboa mas ainda são metade do normal

“É preciso tomar medidas de incentivo já, antes que as pessoas voltem para os seus modos de transporte anteriores”, defende Rosa Félix, investigadora em mobilidade ciclável do U-Shift no Instituto Superior Técnico, em entrevista ao Expresso.

Publicado em Covid-19. Já há mais bicicletas a circular em Lisboa mas ainda são metade do normal . Autoria de Raquel Albuquerque e Sofia Miguel Rosa.

Tiago Miranda/Expresso

Tal como já acontece noutras cidades europeias, o momento atual é uma oportunidade única para ganhar mais utilizadores de bicicleta. “É preciso tomar medidas de incentivo já, antes que as pessoas voltem para os seus modos de transporte anteriores”, defende Rosa Félix, investigadora em mobilidade ciclável

Na mesma semana em que as escolas fecharam, o número de bicicletas a circular em Lisboa caiu para um terço. Nas semanas seguintes, durante o estado de emergência, ainda em março, praticamente desapareceram. Assim que o país começou a abrir portas, nos primeiros dias de maio, os ciclistas começaram novamente a aparecer mas ainda são metade do que se via antes da epidemia, segundo os dados do Eco-Counter, um contador de bicicletas instalado na Avenida Duque d’Ávila, no Saldanha.

Se nos primeiros meses do ano passavam cerca de 600 bicicletas por dia em cada sentido das ciclovias do Saldanha, rapidamente o número caiu para cerca de 200 em meados de março e em abril eram menos de 100. E agora que o número recuperou passam cerca de 300 em cada sentido.

“É natural que o volume diário não seja o mesmo do que o do pré-confinamento. Muitas deslocações que eram realizadas para ir trabalhar deixaram de ser feitas”, explica Rosa Félix, investigadora do U-Shift, laboratório de investigação em mobilidade inserido no Instituto Superior Técnico (IST) que há já oito anos estuda a mobilidade ciclável.

“No entanto, surgiram novas deslocações de lazer, tais como os ‘passeios higiénicos’, que provavelmente não eram realizadas anteriormente. Podem também estar a ser transferidas viagens que seria feitas em transportes públicos, que as pessoas estão a evitar usar.”

Além disso, a procura por bicicletas, nomeadamente em segunda mão, “cresceu bastante nas últimas semanas, de acordo com os rankings nas pesquisas no OLX”, sublinha Rosa Félix..

O que os dados do contador disponibilizado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) também mostram é que o número de bicicletas a circular ao sábado e domingo tende a ser maior do que durante a semana, uma tendência inversa ao que acontecia nos primeiros meses do ano.

“Ao contrário do período pré-confinamento, a utilização é agora maior no fim de semana do que nos dias de semana, o que para uma via central na cidade de Lisboa como é a Duque D’ávila, onde o contador está instalado, não seria de esperar. Isto indica que há uma procura por passeios e lazer em bicicleta ao fim de semana. Quem está em teletrabalho tem menos possibilidades de realizar viagens de bicicleta durante a semana e aproveita o fim de semana para sair de casa”, aponta a investigadora que há já oito anos se dedica ao estudo da mobilidade ciclável.

APROVEITAR A OPORTUNIDADE

O bom sinal é que começar a andar de bicicleta por lazer “é um grande passo” para que depois as pessoas tentem utilizá-la como meio de transporte para o trabalho, se tiverem essa possibilidade e as condições de segurança necessárias.

“Pode deixar efeitos muito positivos, desde que esse hábito seja incentivado e mantido. É normal registarem-se picos de utilização da bicicleta em várias cidades do mundo no mês de setembro. E isso associa-se ao facto de que muita gente teve oportunidade de usar a bicicleta durante as férias de verão e quer continuar a fazê-lo depois no dia a dia”, frisa Rosa Félix.

“Se a utilização da bicicleta for incentivada no pós-desconfinamento, essas pessoas poderão passar a ser ciclistas habituais. Para isso é preciso tomar medidas de incentivo já, antes que voltem para os seus modos de transporte anteriores, quando voltar a normalidade.”

A especialista em mobilidade ciclável não tem qualquer dúvida de que este momento deve ser aproveitado para investir na utilização de bicicleta. É isso que tem estado a acontecer noutras cidades europeias como Milão, Paris ou Berlim.

“Devem ser garantidas condições de segurança, como a redução de velocidades das cidades e a criação de ciclovias numa lógica de rede, garantir que as pessoas sabem andar de bicicleta, tenham a destreza e conheçam as regras de condução em meio urbano, além de garantir que tenham acesso a uma bicicleta partilhada ou bicicleta própria e a um local para a guardar durante a noite e nos locais de trabalho ou estudo”, aponta a investigadora.

“É preciso também garantir que a bicicleta possa ser levada nos transportes públicos. A cada dia que passa, o automóvel volta a ocupar o seu lugar, e perde-se a oportunidade de ocupar esse espaço para o peão e bicicleta.”

Texto de Raquel Albuquerque e Sofia Miguel Rosa.

Publicado em https://expresso.pt/sociedade/2020-05-15-Covid-19.-Ja-ha-mais-bicicletas-a-circular-em-Lisboa-mas-ainda-sao-metade-do-normal a 15 Maio 2020.