Na reunião promovida pelo Ministro do Ambiente, Rosa Félix lembra que “seria um erro não aproveitar esta crise para libertar mais espaço público para o peão e a bicicleta”
Depois de ouvir 20 especialistas seniores, o ministro do Ambiente consultou esta semana 10 personalidades ‘sub-40’ de diversas áreas sobre os projetos para uma saída sustentável da crise.
Para muitas marcas que desenvolvem o comércio digital (e-commerce), “estes tempos de lock down revelaram ser Natal todos os dias”, diz Luís Roque. O jovem CEO e cofundador da start-up portuguesa Huub (uma empresa de serviços de logística da indústria da moda) deveria ter dado pulos de contente com este resultado. Porém, Luís quer alertar para o aumento muito rápido da pegada carbónica do comércio digital — que se prevê “venha a subir mais de 30% até 2030 e faça aumentar o trânsito no centro das cidades cerca de 20%” com consequentes emissões poluentes — e para a necessidade de “novas soluções de logística urbana com horários de entrega mais alargados e medidas para melhorar a eficiência do sistema de mobilidade e de entregas” nas grandes cidades.
Luís fê-lo numa videoconferência convocada pelo ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, que se realizou esta quarta-feira, e que juntou dez personalidades sub-40 de diversas áreas de atividade para comentarem e darem achegas a um conjunto de medidas que estão a ser trabalhadas pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática. O objetivo, adianta Matos Fernandes ao Expresso, “é criar um plano de ação até final de maio que permita que o país recupere de forma mais verde e mais sustentável a economia fragilizada pela pandemia da covid-19” e “criar riqueza e bem-estar para a sociedade a partir de projetos de investimento que beneficiem a redução de emissões, promovam a transição energética, a mobilidade sustentável e a regeneração de recursos”. E o que está em cima da mesa
“são projetos de simples concretização e sem grandes custos”, diz.
“Sozinhos não vamos lá” A consulta a estes jovens surge um mês depois de o ministro ter pedido o contributo de um grupo de especialistas “seniores”. Isto porque, admite o ministro, “nós sozinhos não vamos lá”. Cada um dos participantes deu o seu input a uma das dez medidas em que o Ministério está a trabalhar.
Se Luís Roque apontou para as novas soluções de logística urbana para acelerar a descarbonização, já Vanessa Barragão escolheu a bioeconomia sustentável. A artista que trabalha com desperdícios têxteis chamou a atenção para a necessidade de novas formas de educação ambiental, que a seu ver passam pelo “incentivo que as escolas devem dar às crianças para que estas reutilizem materiais em vez de terem de comprar materiais novos” e assim aprendam a ter “um maior respeito pelo ambiente”. Por seu lado, a economista Filipa Saldanha (do programa Gulbenkian para o Desenvolvimento Sustentável) e a bióloga Catarina Grilo (dirigente da ANP-WWF que se tem dedicado à produção e consumo sustentável), puseram a tónica na importância de se investir no serviço dos ecossistemas. Filipa, sublinhou a importância de práticas agrícolas mais sustentáveis e das pastagens biodiversas para sequestrar carbono, diminuir os riscos de incêndio e aumentar a remuneração das comunidades rurais”. E Catarina lembrou a “necessidade de restauro ecológico a grande escala” e de se “incluírem as pradarias marinhas e os sapais no roteiro da neutralidade carbónica, enquanto sumidouros de CO2”.
Já o reforço da mobilidade ativa nas cidades foi o mote para as intervenções da investigadora em mobilidade Rosa Félix e do artista plástico Artur Bordalo (que cria obras de arte com materiais descartados). Rosa lembrou que “seria um erro não aproveitar esta crise para libertar mais espaço público para o peão e a bicicleta”. E Bordalo II aproveitou para alertar para o facto de “as Gira (bicicletas partilhadas de Lisboa) serem uma espécie de carrossel dos ricos”, já que em bairros mais periféricos como o de Xabregas não chegam as docas; e aconselhou a que “se oiça quem conhece o terreno e mora na cidade, e anda de transportes públicos, quando querem melhorar
as acessibilidades”. Matos Fernandes também tomou nota do reparo e assumiu que “a mobilidade ativa tem de ser melhorada”.
A engenheira aeroespacial Marta Oliveira, que trabalha na Agência Espacial Francesa (CNES), falou da importância do reforço da investigação científica, tendo Portugal excelentes cientistas espalhados pelo mundo. E o biólogo Rúben Oliveira, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c da FCUL), destacou a importância da literacia científica e da conservação da biodiversidade, lembrando que “há espaço para fazer mais e melhor em termos de projetos de conservação da natureza” e que as organizações não-governamentais do ambiente podem ajudar.
Na videoconferência também participaram outros jovens empresários: Bruno Azevedo, da AddVolt (que criou um produto que permite que os camiões recuperem energia durante travagens); João Bernardo Parreira, da Book in Loop (que trouxe as virtualidades da sharing-economy para o mercado dos livros da educação), e Pedro Vargas David, da Alpac Capital, que falou da expansão das energias renováveis.
A maioria dos projetos apresentados por Matos Fernandes já estava na agenda, “mas nenhum está concretizado”. Agora o ministro irá ajustar o documento a um plano de ação, da sua responsabilidade, que espera ver a funcionar “a curto prazo e com efeitos perenes”.
Texto de Carla Tomás.
Publicado em https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2480/html/primeiro-caderno/sociedade/novos-recados-verdes-para-a-recuperacao , a 09 Maio 2020.