Artigo de opinião de Ana Martins
Publicado originalmente no Jornal i, a 09.04.2023, em: https://ionline.sapo.pt/artigo/812323/o-melhor-doutoramento-e-aquele-que-se-acaba
Quando tenho uma dúvida, procuro a resposta; quando não sei fazer, aprendo; quando tenho medo, arrisco; e quando chego a um beco, volto atrás e sei que há outro caminho que posso explorar. Tenho uma visão integrada do sistema de transportes, pensamento crítico e uma forma diferenciada de olhar para os problemas da mobilidade.
Na Cerimónia de Entrega de Diplomas do Dia da Graduação do Instituto Superior Técnico deste ano, contei um pouco do meu percurso, em representação dos graduados de 3º ciclo. Tentei mostrar que aquilo que levo do Técnico não é apenas um diploma mas um conjunto de competências que não se extinguem nas disciplinas que frequentei e muitas experiências que me ajudaram a moldar a minha personalidade.
Entrei em Matemática Aplicada mas rapidamente percebi que tanta letra grega não era o meu futuro. Mudei para Engenharia Civil e fiz o mestrado em Transportes. Passei metade do curso na “esplanada de civil” e a outra metade nas salas de estudo 24h a estudar, à pressa, noites a fio na época de exames. Digo-o meio a sério, meio a brincar.
Foi na “esplanada de civil” que ouvi uma das histórias que classifico como “genial”. Uma colega do curso decidiu fazer cábulas, com letra muito pequenina, na parte de dentro do rótulo de uma garrafa de água. Quando enchia a garrafa, a água fazia de lupa e ela conseguia ler tudo facilmente. É um exemplo de arte e engenho, da melhor escola de engenharia de Portugal.
Quando decidi fazer o doutoramento, candidatei-me a uma bolsa do Programa Doutoral em Sistemas de Transportes, onde só entravam dez pessoas por ano. Das 25 candidaturas naquele ano, fiquei em 21º. Entrei sem bolsa no doutoramento, mas depois de um ano de intenso estudo e boas notas, consegui acabar por ganhar a bolsa, no ano seguinte, em 1º lugar.
Nesse ano, tive de escolher o orientador. No processo de escolha não procurei o mais graduado, mas o professor mais disponível e humano. Convenci o professor Filipe Moura a trabalhar comigo e, já em conjunto com o coorientador Carlos Azevedo, decidi explorar uma solução de mobilidade que tinha pouca visibilidade na academia. O tema era “um sistema partilhado de veículos autónomos entre pares”, mas, para ser mais fácil de explicar, o professor Filipe Moura cunhou o nome de “Airbnb dos Veículos Autónomos”.
Exemplifico o conceito: Imaginem que eu comprava um carro autónomo e que no Dia da Graduação, esse carro me tinha levado à Aula Magna, às 9h. Em vez de deixar o carro estacionado lá fora, o carro sozinho tinha ido transportar outros passageiros nas suas viagens por Lisboa, sabendo que às 12h teria de regressar para me levar para casa.
Para poder desenvolver o meu doutoramento, o Técnico deu-me um computador com dez anos e uma secretária numa sala sem janelas para a rua. Se fosse hoje, não teria escolhido outro sítio para estar. Partilhei aquele espaço com cinco estudantes incríveis, com temas completamente diferentes mas com a cruz da tese em comum.
Recordo que tinha um professor que dizia que, num bom doutoramento, o aluno tinha de passar por sete depressões. Escapei a todas porque na minha sala não tinha apenas colegas, mas sim amigos.
No doutoramento, estive integrada no Programa MIT Portugal, o que me deu a oportunidade de ir como aluna convidada ao MIT, nos Estados Unidos. Lembro-me de estar entusiasmada, e nervosa, por ter de explicar a minha ideia de doutoramento ao professor que me acolheu no MIT. Saí da reunião a chorar. O professor havia-me dito que a solução não fazia sentido e que ainda estava a tempo de mudar de tema, ao fim de três anos de doutoramento. Depois de falar com os meus orientadores, decidi que estava ali para provar que esta solução também cabia no futuro. Investiguei o tema a fundo, desenvolvi modelos teóricos e práticos, corri várias simulações e ainda queria fazer mais. Mas o meu orientador disse-me algo muito importante: “já chega… o melhor doutoramento é aquele que se acaba”.
E parece que o esforço deu frutos porque na minha defesa de tese disseram-me que o MIT estava a explorar a mesma linha de investigação que esta alumna do Técnico tinha apresentado quando lá esteve.
Este discurso mostrou, acima de tudo, que um diploma não conta a história toda do percurso dos graduados do Técnico e que cada um destes graduados leva muito mais do que aquilo que recebeu. No meu caso, em 20 anos de Técnico ganhei uma família, uma vez que encontrei um marido no mestrado e tive um filho durante o doutoramento, e amizades para a vida. Quer as amigas do vólei universitário, quer os amigos de doutoramento estão sempre presentes.
Realço, ainda, a bagagem de competências adquirida, que me permite enfrentar os desafios de frente: fui gestora do meu projeto, fui chefe de mim própria, fui investigadora a tempo inteiro e dei aulas e trabalhei como consultora enquanto fazia o doutoramento.
É ignorância pensar que o doutoramento não serve para nada. Sinto-me bem mais rica depois de ter passado pelo doutoramento. E essa riqueza não veio da bolsa que me deram.
Quando tenho uma dúvida, procuro a resposta; quando não sei fazer, aprendo; quando tenho medo, arrisco; e quando chego a um beco, volto atrás e sei que há outro caminho que posso explorar. Tenho uma visão integrada do sistema de transportes, pensamento crítico e uma forma diferenciada de olhar para os problemas da mobilidade.
Desejo a todos os graduados as maiores felicidades e que aproveitam esta conquista para festejar. Porque, como já tinha dito antes ao meu filho de quatro anos: “a mamã acabou a escola”.
*Texto adaptado do discurso feito no âmbito Sessão Solene do XV Dia da Graduação do Instituto Superior Técnico, realizado a 16 de março, na Aula Magna da Universidade de Lisboa.
Alumna recém-graduada do 3.º ciclo do Instituto Superior Técnico